Coaching e terapia. Vamos conversar sobre?
Levante a mão o profissional quem nunca se deparou com a dúvida sobre a diferença entre as práticas dos profissionais de Coaching e Terapia. Vamos esclarecer alguns pontos dessa confusão e saber o que esses profissionais têm a dizer?
De repente a prática do Coaching “bombou”. Antes era uma profissão pouco falada na mídia, nas redes sociais e agora é uma profissão que está em destaque! Com esse boom veio uma avalanche de questionamentos de todos os lados. Será que a profissão do coach é séria?
O que exatamente o coach faz? Qual é a diferença entre o profissional do Coaching e o psicólogo? Coach pode fazer o que o psicólogo faz e o psicólogo pode fazer o que o coach faz? O que os psicólogos têm a dizer?
De fato, essa confusão pairou no ar por um bom tempo, e uma grande discussão foi aberta em relação a como diferenciar a prática do coach da prática do Psicólogo.
Para estabelecer melhor deveres, responsabilidades e direitos de cada profissão, vamos entender primeiro as profissões de coach e psicólogo:
Índice de Conteúdos
A profissão coach – o que faz e como atua?
Resumidamente, o Coaching é um processo de desenvolvimento individualizado e personalizado que tem raiz forte no contexto do desenvolvimento de competências com um foco bem preciso em determinada área que o indivíduo quer melhorar: life coaching (habilidades de vida), executive coaching (carreira e negócios), parent coaching (educação parental), entre outros.
Outra característica marcante no processo de Coaching é que ele é indicado para o profissional que quer desenvolver o cliente com base na sua realidade presente, em um curto espaço de tempo (em média 12 sessões). Nesse modelo de atendimento, a investigação e a ação devem vir juntas, ou seja, a construção do conhecimento se dá na relação direta com a prática.
O Coaching sempre parte do princípio de que a responsabilidade pela mudança é do cliente (coachee). Para isso, ele precisa estar em condição de assumir o controle da situação e de iniciar o processo de coaching (isto é, ser funcional).
A profissão do coach inicialmente é definida por uma parceria entre o profissional (coach) e seu cliente (coachee). As funções essenciais de um coach são desenvolver competências, melhorar a eficácia, evitar e dirimir conflitos, criar ação contínua ou ainda estar ligado a um propósito mais abrangente e estratégico, que seria obter melhores resultados em alguma área da vida do cliente.
O cliente (coachee) vem com os seus próprios quadros mentais, visões de mundo, filtros, crenças e dinâmicas de relacionamentos moldados por suas experiências de vida, educação e repetição de padrão.
O papel do coach é ajudar o coachee a estruturar os próprios pensamentos, ampliar os filtros e ter um plano para agir e resolver as questões que o fizeram pedir ajuda.
Quando o coach estabelece uma relação pelos motivos corretos, com seus valores, o conhecimento e as habilidades que ele adquiriu com a formação e o treinamento/prática fazem do resultado do processo geralmente positivo e gratificante.
Como o coach atua?
O coach faz uma sessão experimental com o possível cliente a fim de saber o que ele deseja e cria um panorama dessa queixa, para então selecionar as ferramentas que o ajudarão nessa nova jornada.
Ao fechar a parceria, o profissional (coach) faz um contrato estipulando todos os detalhes, com datas e o valor das sessões, detalhando o objetivo do começo ao fim do processo, estabelecendo assim uma parceria clara com seu cliente, com o alinhamento de expectativas.
Nesse momento, o coach vai se atentar à estrutura, que é um elemento essencial dentro do processo. Ter uma estrutura significa ter um passo a passo que dê a direção certa para levar o coachee da situação atual até a situação desejada.
Em relação ao tempo desses atendimentos, bem como aos resultados que o cliente alcança, ambos dependem da parceria estabelecida, podendo variar de no mínimo oito sessões a, no máximo, doze. O coach vai indicar o número de sessões, bem como as ferramentas que serão usadas, de acordo com a busca do cliente.
O elemento mais importante da estrutura é a fluidez das conversas durante as sessões de coaching. Existem ferramentas específicas para problemáticas específicas, e isso é de suma importância para o resultado.
No Caching, ter resultados é muito importante; medições, aprendizados e melhoria contínuos sempre estão presentes durante todo o processo. É uma construção feita gradativamente, e a quantidade de sessões dependerá do objetivo do coachee. Em cada sessão, o coach usará a ferramenta adequada para a situação do cliente para criar uma evolução, até obter o resultado.
Em 2018, foi publicada uma Pesquisa que revelou que o Brasil é o País onde os clientes (coachees) estão mais satisfeitos com a prática do Coaching, em comparação ao resto do mundo.
“(…) 70% dos brasileiros sabem qual o campo de atuação do Coaching, contra 66% da média mundial; 52% dos entrevistados na pesquisa já receberam orientação de um Coach, contra 35% nos outros países. Os motivos mais relevantes para os brasileiros passarem por um Processo de Coaching foram: otimizar o trabalho individual ou em equipe (46% no Brasil contra 40% no mundo); aumentar a produtividade (40% contra 38%); ampliar as oportunidades de carreira (37% contra 35%); aprimorar estratégias de gestão (34% contra 32%) e melhorar o equilíbrio entre carreira e vida (36% contra 34%).”
A profissão ainda não é regulamentada no Brasil, necessidade que ficou muito evidente na pesquisa também: “88% dos brasileiros consideram importante ou muito importante a certificação do coach profissional, contra 75% da média mundial”.
A profissão do psicólogo
A Psicologia é a ciência que estuda os processos mentais (sentimentos, pensamentos, razão) e o comportamento humano. Deriva-se das palavras gregas: psiqué, que significa “alma”, e logia, que significa “estudo de”.
Em 27 de agosto de 1962, o então Presidente da República, João Goulart, regulamentou, por meio da Lei 4.119, a profissão do psicólogo, tornando assim a Psicologia, de direito, uma profissão. Nesse ponto, a Psicologia “sai na frente” do Coach, cuja profissão ainda não é atualmente regulamentada no Brasil.
A prática do psicólogo consiste em uma prática psicoterapêutica capaz de diagnosticar transtornos, síndromes e outras doenças reconhecidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e catalogadas no Manual de Diagnósticos e Estatística de Transtornos Mentais (DSM- IV), e na Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID 10), visando padronizar a codificação de doenças e outros problemas relacionados à saúde.
Além de tratar doenças, o psicólogo atua nas melhorias dos relacionamentos intra e interpessoais e no autoconhecimento para as pessoas terem uma vida melhor.
A graduação de Psicologia oferece um aprendizado amplo, garantindo a base do conhecimento para o profissional trabalhar em diversos campos de atuação. No entanto, para se destacar em um campo específico, é preciso buscar especialização.
O profissional, ao sair da universidade, está apto nos seguintes ramos: Psicologia Clínica; Psicologia Social; Psicologia Jurídica; Psicologia Hospitalar; Psicologia do Esporte; Psicologia Escolar; Psicologia Organizacional; Psicologia do Trânsito; Psicomotricidade; Neuropsicologia e Psicopedagogia.
A área da Psicologia é baseada em diversas teorias que nos ajudam na prática, pois elas nos norteiam como proceder e como ajudar nossos clientes a resolver seus problemas emocionais.
Existem também diversas linhas teóricas dentro da Psicologia, desde as psicoterápicas tradicionais – Psicanálise, Junguiana, Gestalt Terapia, Terapia Comportamental, Sistêmica – até as psicoterápicas contemporâneas – Transpessoal, que integra o aspecto espiritual no trabalho.
O exercício profissional é regido pelos Conselhos de Psicologia, o Regional e o Federal, que representam os profissionais da área por meio da legislação vigente, tanto no âmbito de formação profissional quanto de regulamentação e fiscalização dos direitos e deveres da profissão.
Como o psicólogo atua?
O campo de atuação do psicólogo é diversificado e depende da linha de trabalho e do campo de atuação escolhido. O público-alvo também pode ser amplo, abrangendo todo ciclo de vida do ser humano, desde a gestação, o nascer até o processo de morrer, a morte.
Se for escolhida a parte clínica, principalmente em consultórios, o profissional poderá realizar sessões de terapia individual, familiar, casais e em grupos. Ele pode também atuar dentro de empresas privadas, na parte organizacional, hospitalar, em tribunais, clubes esportivos, escolas, clínicas de reabilitação de saúde ou de recuperação de álcool e drogas etc.
Também pode atuar em instituições públicas, dependendo de edital de concursos públicos, como também dentro de instituições filantrópicas, o chamado terceiro setor.
Coach pode fazer o que o psicólogo faz?
Aplicar ferramentas de coaching não resolve certas questões psicológicas que o psicólogo com terapia resolve. Como é inerente ao ser humano o ato de cuidar e de prestar ajuda, pode ocorrer inconscientemente, ou seja, sem intenção, de o coach cruzar a fronteira entre o trabalho do Coaching e o da Psicologia e, ao fazê-lo, tentar resolver problemas sérios na vida de seus coachees, seja de cunho emocional, mental ou conflitos profundos, para os quais o coach não é qualificado e pode acabar procedendo e intervindo de forma inadequada.
É preciso que a metodologia escolhida pelo profissional dê bases seguras para que ele possa avaliar quando o caso não é para o coaching e sim para um psicólogo. Além disso, o coach precisa treinar o seu feeling, trabalhar feedback e follow-up sessão por sessão (especialmente nas iniciais) para determinar quando esse cliente precisa de encaminhamento para terapia.
Dicas de que algo mais sério pode estar acontecendo, sendo um indício de necessidade de terapia são questões como:
• O cliente verbaliza que está depressivo ou ansioso;
• O cliente verbaliza que fazia terapia e parou, e que o coaching é a solução alternativa;
• O processo não está caminhando como deveria;
• As ferramentas não parecem trazer o resultado que se espera com a sua aplicação, como quando o cliente trava em alguma questão e não sai do lugar;
• O cliente começa a faltar demais nas sessões e foge totalmente do foco inicial, se perdendo;
• O cliente dá desculpas para não realizar as tarefas que o coach encaminha para ele, entre outras situações.
Na formação Expert (minha base para o coaching parental), ainda temos ferramentas da Fase da Descoberta que oferecem esse suporte para a análise inicial, minimizando consideravelmente os riscos de erro.
Portanto, se o coach estiver atendendo um cliente (coachee) e surgir um problema específico de outra área, é preciso que haja o encaminhamento imediatamente para que o profissional capacitado assuma o comando a fim de ajudar a solucionar de forma efetiva.
Aqui entram profissionais das áreas de Fonoaudiologia, Psiquiatria, Psicologia. Em casos de encaminhamento, provavelmente esses profissionais ajudarão o cliente a buscar as causas de determinados problemas, o que o coach não faz.
Psicólogo pode fazer o que o coach faz?
Sim, no entanto, o psicólogo não deve, de forma nenhuma, unir ferramentas de coaching em processos de terapia.
Caso o coach seja psicólogo também, precisa aprender a separar as duas profissões na prática. O psicólogo-coach vai abordar questões mais diretivas, direcionando para um objetivo específico caso seja procurado para fazer Coaching.
Se a questão for de ordem psicológica, ele trabalhará questões mais subjetivas, com o foco na sua formação enquanto psicólogo. Essa diferenciação precisa estar clara para o profissional, pois o Coaching não configura trabalho terapêutico, tornando essa prática ilegal se o coach assim o fizer.
Uma coisa é você fazer um processo de Coaching, outra é a terapia. E mais, o psicólogo, se verificar a necessidade de questões que deverão ser tratadas de forma mais profunda, deverá fazer terapia concomitantemente ao processo de Coaching; de forma nenhuma poderá misturar as duas práticas.
Minha experiência atuando nas duas áreas: Psicologia e Coaching
Sou psicóloga clínica desde 2002, atuando de fato desde 2005, após me especializar em Intervenção Familiar Sistêmica, cursado na Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, interior de São Paulo.
Foi assim que passei 12 anos atuando em clínica, com horas e horas de experiência em atendimentos com crianças e famílias. Em 2017, me deparei com circunstâncias que me levaram até a Parent Coaching Brasil, criada por Jacqueline Vilela.
Logo me apaixonei pelo nicho de Coaching Parental, um método desenvolvido para profissionais que querem impactar pais e filhos. O fato é que que essas ferramentas trouxeram resultados incríveis para os clientes.
O que posso dizer da união dessas duas profissões? Uma complementa a outra, embora sejam práticas diferentes. As ferramentas do Coaching me ajudam a acelerar a caminhada dos meus clientes, enquanto as técnicas que utilizo na terapia promovem uma reflexão mais profunda ao lidar com questões mais complexas, como problemas e disfunções de ordem psicológica.
Eu também levo em consideração o tipo de problema que o cliente traz até mim. Os clientes que se enquadram no processo de Coaching possuem um objetivo muito específico, estão funcionais e prontos para a ação e por isso fazem 12 sessões; já os clientes de terapia não têm número máximo de sessões especificadas previamente em contrato e estão em busca de ajuda para questões mais profundas.
É fundamental saber separar as técnicas, entender a forma com que cada área lida com a prática, fechar o contrato de maneira correta e dentro das especificações de cada profissão, a fim de evitar confusão e polêmicas envolvendo as duas profissões.
E toda essa polêmica envolvendo o Coaching e a Psicologia?
É real a preocupação dos psicólogos com a banalização dos atendimentos familiares por coaches que acabam não avaliando corretamente o pedido de ajuda inicial, dando continuidade em questões específicas da Psicologia.
Ressalto que, como o Coaching está mais popularizado, as próprias pessoas não sabem mais a quem procurar, muito menos entendem a diferença entre as duas profissões, cada vez mais exigindo dos profissionais essa responsabilidade.
No entanto, acredito que é preciso sair do discurso de que o psicólogo está perdendo seu lugar para os coaches e entrar no âmbito de aprender e realmente discernir a diferença das especificações de cada profissão.
Por isso a questão ética do profissional também foi e é alvo de discussão, e instituições de Coaching sérias sempre vão orientar seus alunos de uma forma íntegra. É preciso ficar claro durante a formação em coaching que as ferramentas não resolvem questões psicológicas, por exemplo.
Essa é a conduta esperada pelos coaches sérios e que muitas vezes, infelizmente, não acontece.
A Psicologia tem um Conselho Federal que orienta, regulamenta e fiscaliza o exercício profissional, além de a Psicologia ser aprovada e licenciada pelo MEC. Querendo ou não, isso traz um respaldo para qualquer necessidade que possa vir a ter e que no Coaching ainda está em construção.
Inclusive, os pacientes da Psicologia também têm um respaldo se, por ventura, forem mal atendidos ou tiverem seus direitos violados pelo psicólogo, podendo registrar uma queixa no Conselho Regional ou Federal, que tendo o poder de investigar e apurar os fatos, podendo o profissional ser cassado em seu exercício pleno da área.
O Coaching é um campo legítimo, com uma base crescente de pesquisa e um código de ética, embora a adesão a esse código de ética seja totalmente voluntária, já que não há um Conselho de Classe com regulamentação, legislação e fiscalização.
Entretanto, se você é psicólogo ou coach e ficar preocupado por não estar agindo profissionalmente, vale a pena revisar sua formação e o código de ética de como os profissionais devem agir.
Embora a Psicologia tenha conselhos que a representem e o Coaching ainda não, acredito que os valores, os princípios e a conduta ética PESSOAL têm maior peso, já que muitos profissionais com conselhos de classe como respaldo já viraram manchete em meios de comunicação, tendo seus registros cassados, alguns inclusive foram presos por exercerem a profissão de maneira inadequada, com desvios de conduta e sem condições legais.
E é preciso especialmente não generalizar. Sim, existem instituições sérias que formam coaches dispostos a trabalhar em harmonia com a Psicologia, sem invadir e, pelo contrário, buscando contribuir e encaminhando os casos que não estão aptos para atender.
E existe um campo no qual a Psicologia e o Coaching se encontram: o estudo da Psicologia Positiva. Segundo a diretora e fundadora do Instituto de Coaching da Universidade de Harvard, Carol Kauffman, “o Coaching e a Psicologia Positiva são aliados naturais na preocupação explícita de valorizar a satisfação total do ser humano, através de uma abordagem baseada no desenvolvimento de pontos fortes para melhoria do desempenho”.
Os psicólogos, no entanto, a meu ver, conseguiram com a formação em Coaching alcançar clientes que, de outra forma, não alcançariam. E vale lembrar que os coaches oriundos de formação séria podem sim atender uma demanda reprimida das pessoas que relutam em buscar terapia, mas está disposta a se submeter ao processo de Coaching.
Existem muitos coaches que não são psicólogos e fazem um trabalho excepcional com resultados fantásticos e conduta ética admirável.
Pensando enquanto profissional atuante nas duas áreas, me vejo com um plus, com habilidades para diferenciar quando um cliente precisa de terapia e quando o precisa passar pelas ferramentas do processo de Coaching para um resultado mais rápido.
Acredito que, na minha prática profissional, eu consiga ter a percepção de atender como psicóloga quando o caso exige e atender também como coach sem me sentir uma impostora, misturando as profissões.
Tanto em uma profissão quanto em outra, sinto-me honrada e bem tranquila em poder exercer ambos os trabalhos. Tudo é questão de posicionamento e se apropriar do nosso papel para ajudar quem nos procura.
Ambas as profissões possuem seu próprio lugar e têm seu valor no mercado de trabalho, mas para isso é preciso respeitar o limite de até onde se pode ir na atuação tanto do psicólogo, quanto do coach.
Essa é a chave para que cada profissional atue na sua área, sem precisar sentir que o outro está invadindo sua profissão, sua prática.
Texto escrito por:
Marília Balbino
Psicologia e Desenvolvimento Pessoal